terça-feira, 10 de novembro de 2009

Salve o Rio

Por Túlio Velho Barreto e Antônio de Pádua de Barros

O título acima bem que podia se referir a alguma mobilização nacional para ajudar o Rio de Janeiro a se livrar definitivamente da violência urbana, que faz da beleza de sua paisagem algo quase inútil. Triste realidade que, em especial nos últimos 20, 30 anos, tem transformado a Cidade Maravilhosa palco de cenas de guerra só vistas, por exemplo, no Líbano, na Palestina, no Iraque... De fato, seria o caso de “salvar o Rio”, sobretudo agora que a capital mais bonita do País foi escolhida para sediar a Olimpíada de 2016 e o Maracanã foi selecionado para importantes jogos da Copa do Mundo de 2014, inclusive a final. Mas, infelizmente, não. Trata-se de operação muito menos nobre, como já deve ter ficado evidente para o leitor na segunda parte do título.
Embora teses conspiratórias, principalmente em se tratando de futebol, sirvam muitas vezes para esconder incompetência administrativa de dirigentes e limitações técnicas de jogadores, não temos mais idade para sermos tão ingênuos e não acreditar que elas também existam. “Yo no creo em brujas, pero que los hay, hay!”. São muitos campeonatos “disputados”, dentro e fora dos estádios... Por isso não engolimos que o resultado do “jogo de 600 pontos” entre Botafogo e Náutico resultou de erros dos árbitros. Como disse o paulista Juca Kfoury, em seu comentário de título preciso e cristalino (“O Fogão no apito”), logo após o referido jogo: “o Náutico (foi) claramente garfado no Engenhão”. Relembremos: na metade do primeiro tempo, o goleiro do Botafogo não foi expulso após derrubar Carlinhos Bala em “clara e manifesta situação de gol”, na definição da regra (como Rogério Ceni, na rodada anterior, foi; e Marcos, na seguinte, seria, em lances idênticos); depois, Tuta fez gol legítimo, que foi anulado; e, no final do jogo, o pênalti arranjado para o Botafogo... Tudo isso, o carioca Iata Anderson, no Jornal dos Sports, relacionou para dizer que apenas o árbitro Leonardo Gaciba, “um dos protegidinhos dos comentaristas. Aquele que é contra o drible e não passa em nenhum exame físico”, viu.
Mas foi preciso que o Palmeiras, que teve um gol legítimo inexplicavelmente anulado, quando o jogo estava zero a zero, ainda no primeiro tempo, perdesse para o Fluminense para que a imprensa nacional, quer dizer, do Sudeste do País, levantasse a hipótese de haver favorecimento para que os times do Rio sejam salvos na reta final do Brasileirão. Lá a chiadeira não para; nem da imprensa, nem dos dirigentes palmeirenses... Aqui, o Sport está conformado com o rebaixamento e o Náutico se prepara para enfrentar o Flamengo. E a cobertura jornalística, como diria o inesquecível João Saldanha, segue em frente como a vida...
Mas é necessário analisar de forma racional o que está acontecendo. O emocional já foi consumido após cada um dos jogos citados neste texto. Então, vamos lá. Desde que foi introduzido o campeonato de pontos corridos, com turno e returno, em 2003, ganho pelo Cruzeiro, que um time carioca não vence um Brasileirão. Aliás, a última vez que isso ocorreu foi na questionável conquista do Vasco contra o São Caetano, em 2000, decisão que foi adiada de um ano para o outro em função da tragédia de São Januário. E mais: desde 2004 todos os campeões são paulistas, ou seja, Santos (1 título), Corinthians (1) e São Paulo (3). Este ano, entre os favoritos, despontaram até agora Palmeiras e São Paulo. E o Corinthians já está com uma das cinco vagas da Libertadores garantida desde que ganhou a Copa do Brasil. Possivelmente, sobrarão duas vagas para Flamengo, Atlético, Cruzeiro e Inter. Na disputa, só um time do Rio.
Do outro lado da classificação, até poucas rodadas atrás, Fluminense e Botafogo estavam entre os mais fortes candidatos ao rebaixamento. Eram, frise-se, até que apareceu o “apito amigo” em seus jogos e em jogos de outras equipes que tentam se livrar da degola. Como o Sport passou a maior parte das rodadas em posições abaixo do Náutico, entre os pernambucanos o alvirrubro terminou tornando-se o alvo preferido do “apito amigo”, em especial nos últimos dois jogos fora de casa: Botafogo e Santos. Não que não pudesse ter tido melhor resultado, sobretudo contra o Santos quando desperdiçou grandes chances de neutralizar o “apito amigo”, o que (às vezes) é possível. Contra o Botafogo não era, porque, ali, o Náutico foi, repetimos, “garfado”. O que não ocorreu nos dois anteriores quando o Náutico teve igualmente desempenhos pífios e escapou da degola por um triz.
Com a sede da CBF e do STJD no Rio, o que já é um absurdo, que se cuide o Coritiba, que terá o Fluminense pela frente na última rodada, em embate que terá tudo para ser “jogo de 6.000 pontos". De fato, tudo leva a crer que Sport, Náutico (que não depende só dele e provavelmente teve sua sorte selada na derrota contra o Botafogo) e Santo André (que tem confronto direto com Náutico) estejam com as malas prontas para a desprezível Série B, que os times nordestinos talvez nem devessem mais disputar... Então, sobra para o Coritiba “ceder” a vaga para o Fluminense, embora a Operação “Salve o Rio” já possa ser considerada exitosa ao livrar o Botafogo da degola. E mais: pode sobrar para o Náutico, que vai enfrentar o Flamengo; para o Sport, que enfrentará o Fluminense; e até para o São Paulo e, de novo, Palmeiras, que ainda enfrentam o Botafogo, no... Engenhão! É triste, mas como disse o presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo, que chamou Carlos Simon de “safado, sem vergonha e crápula” e prometeu dar “umas tapas nesse vagabundo”: “neste final de campeonato, só falta urubu voar de costas”. Certamente, o animal não foi escolhido à toa... Só faltou Belluzzo perguntar se agora ficou claro porque Simon é nosso árbitro em Copas do Mundo...
Quanto a não disputar à Série B... Bom, não custa nada fazer uma provocação. Sabemos que seria difícil tomar a decisão de não disputá-la, talvez mesmo improvável em função da submissão dos dirigentes de federações estaduais e de clubes aos encantos de Ricardo Teixeira, da CBF e TV Globo. Ou mesmo impossível do ponto de vista legal. Mas entre ser eterno coadjuvante, mendigar por sobras da distribuição de recursos da TV, ser massa de manobra de campeonatos arranjados (como o que foi tomado do Inter, em 2005) e apenas legitimar uma disputa absolutamente desigual, talvez fosse melhor mesmo criar uma liga regional (Nordeste ou Norte-Nordeste) e fortalecer os próprios estaduais, em vez de esvaziá-los em nome de uma disputa nacional que não existe. (Já pensamos diferente a respeito, mas...) Assim, poderiam ser criadas competições com calendários próprios, mecanismos de acesso e decesso, premiações... Para tanto, parece existir mercado interno; existem clubes centenários, tradicionais e de massas; existem rivalidades locais e entre times de diferentes estados e grandes estádios... Enfim, todos os ingredientes para disputas mais igualitárias que pudessem despertar novamente a adormecida paixão de vários torcedores por seus times locais, hoje abandonados ou substituídos por novas e impostas paixões televisivas. Pode ser devaneio, mas...
Acreditar que o Campeonato Brasileiro foi moralizado porque não há mais a tradicional virada de mesa é pura ingenuidade. A mesa já começou a ser virada e só não vê quem não quer. Não é à toa que levantamento recente feito pelo jornal Folha de S.Paulo, por exemplo, apontou que, entre os times do Rio, São Paulo e Minas Gerais na Série A, apenas os cariocas defendem a volta do sistema de mata-mata. Por que será? Talvez só o receio que ocorra todo ano o que se desenhava para 2010: o Rio com a mesma quantidade de clubes de Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e talvez de Goiás ou Santa Catarina, que tem ainda, respectivamente, Atlético e Figueirense na luta para subir. Ou seja, parece que a Operação “Salve o Rio” pretende mesmo é evitar prejuízos esportivos, econômicos e políticos que o estado teria se visse sua representação na Série A resumida à qualidade do futebol atualmente ali jogado.
Túlio Velho Barreto é pesquisador social e Antônio de Pádua de Barros é fotógrafo. Ambos são torcedores do Náutico e estão indignados com a Operação “Salve o Rio”, no Brasileirão 2009, é claro.

Texto extraído do Blog do Torcedor

Nenhum comentário: